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segunda-feira, 30 de abril de 2012

JOHANNESBURG, OU "RIO + 10" - 2ª CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Introdução (*)

 

A 2ª cúpula mundial sobre o desenvolvimento sustentável foi convocada em agosto de 2002 para a implementação das propostas da "Agenda 21". A concretização da 1ª cúpula – "Rio 92" – era tão restrita que o objetivo principal da 2ª cúpula não foi elaborar novas propostas mas, antes de tudo, pôr em prática o que tinha sido definido 10 anos antes. Parecia que, em matéria de desenvolvimento sustentável, nada significativo tivesse sido alcançado na década de 90.

 

A "Rio 92" tinha sido um relativo sucesso. A "Agenda 21" propunha 2.500 medidas, elaborando um quadro geral para responder ao conceito, então novo, do Desenvolvimento Sustentável. Cada país devia elaborar a sua própria "Agenda 21", adaptada à sua realidade. Na dinâmica da caída do muro de Berlin, o tema da sustentabilidade surgia como nova prioridade para o futuro da humanidade. Além da "Agenda 21", duas Convenções sobre o clima e a biodiversidade propunham metas mais concretas. As ONGs e os movimentos sociais foram convidados a participar na elaboração dos objetivos; fizeram muitas propostas e publicaram a bela 'Carta da Terra'.

 

No entanto, o caminho do Rio até Johannesburg não foi bem aquele esperado. Houve altos e baixos, tanto do lado dos governos como da parte da sociedade civil. Na "Rio + 5", em 1997, em Kyoto (Japão), a avaliação da aplicação das propostas do Rio deixou claro que a implementação da Agenda 21 era bastante deficiente na maioria dos países. O número de ONGs ambientais tinha aumentado sensivelmente, mas não conseguiam se articular, nem entre si, nem entre as do Norte e as do Sul, nem entre as ambientais e as sociais ou dos Direitos Humanos.

 

Por que tão poucos avanços? Na década de 90, a onda do livre mercado avançou mais rapidamente que as propostas do desenvolvimento sustentável. Os governos dos países em desenvolvimento ficaram mais preocupados em aplicar o "consenso de Washington" e os programas de ajuste estrutural do FMI do que em implementar as recomendações da Agenda 21. Foi assim que o Brasil publicou a sua própria "Agenda 21" apenas em julho de 2002, dois meses antes de Johannesburg! A Rodada Uruguai em 1994 e a criação da OMC em 1995 deram novo impulso à liberalização multilateral do comércio. As políticas neoliberais não resolveram os problemas da miséria e da marginalização de parte crescente da população mundial. Ampliou-se o conflito entre a lógica neoliberal de maior produção e consumo, sem freio e com enorme desperdício, e a visão dos ambientalistas, alarmados diante dos riscos e ameaças crescentes de destruição irreversível do Planeta. O poder das multinacionais na definição das políticas econômicas e financeiras foi substituindo o dos Estados, tornando-os meros vassalos destas. A mobilização da sociedade civil contra a mercantilização geral, contra o empobrecimento e 'miserabilização' de povos inteiros e contra a destruição ambiental marcam uma nova etapa no confronto antagônico entre o modelo produtivista-consumista prevalente e a proposta do desenvolvimento sustentável.

 

Nesse contexto de "sociedade-mercado", por rico que seja, o conceito de Desenvolvimento Sustentável ficou vago e não foi aprofundado. Dois paradigmas se chocaram: o Rio-Kyoto, sublinhando o multilateralismo, a sustentabilidade e a participação ativa da sociedade civil, e o outro do FMI-OMC, insistindo nas forças de mercado, mantendo a sociedade civil à distância dos processos de decisão. Não houve elaboração de metas concretas e precisas, com prazos e meios definidos. Foi assim que, em Johannesburg, mais numerosas e melhor articuladas do que dez anos antes, as ONGs não tiveram a mesma influência política do que no Rio.

 

Que estava em jogo?

 

Oficialmente, o tema da cúpula de Johannesburg era o do Desenvolvimento Sustentável. No "relatório Bruntland" à ONU em 1887, o conceito é definido como "um desenvolvimento que responda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas". Fundamenta-se na constatação de que "não se pode continuar assim". O conceito tenta articular o avanço econômico, a proteção ambiental e o progresso social. Ou, dito de maneira mais simples, visa juntar os 3 "P": Povo, Planeta e Prosperidade. Mas, além das definições bonitas, o conceito serve a muitas interpretações divergentes. Paises pobres insistem na luta contra a pobreza (povo); paises ricos defendem a produção e o consumo (prosperidade); outros ainda focalizam a proteção da criação (planeta).

 

A cúpula não devia enfrentar apenas o problema da pobreza ou do livre comércio como o queriam uns e outros paises, mas também os desafios da preservação ambiental. Inundações enormes na China, no Bangladesh, na América central e na Europa; securas e fomes no Sul da África, esses catástrofes naturais, resultados das mudanças climáticas, são a expressão mais direta das graves ameaças ambientais já existentes. A 'descoberta' em cima da Ásia duma imensa nuvem escura de 30 milhões de km 2 de superfície e 3 km de espessura e os buracos crescentes na camada de ozônio ilustram, eles também, a urgência de medidas paliativas e preventivas. Johannesburg devia teoricamente integrar as três dimensões da sustentabilidade.

 

Várias cúpulas simultâneas

 

Os números traduzem parcialmente a importância do maior encontro mundial da ONU. Falou-se de 64.000 mil pessoas. Incluem-se os 25.000 delegados de ONGs, grupos, movimentos vindos dos quatro cantos da terra, entre os quais um bom número de ativistas da África do Sul; os 5.000 delegados oficiais de 196 paises presentes; os 2.500 jornalistas, e as aproximadamente 30.000 pessoas da infraestrutura trabalhando para o bom desenvolvimento da cúpula que, aliás, foi muito boa: transporte, segurança, trânsito, recepção, reprodução e distribuição de materiais, etc. Os objetivos e as funções de tantos participantes eram muito diversos e, de fato, ocorriam vários eventos simultâneos.

 

Em Sandton, no norte da cidade, nas muitas salas do elegantíssimo centro de convenções, tinha lugar a cúpula oficial para, antes de tudo, negociar o "plano de ação", documento principal que devia ser elaborado no encontro. De fato, aconteciam lá pelo menos dois encontros: o oficial para todas as delegações oficiais, e um outro, atrás das portas, as negociações entre os "grandes": EUA, UE e outros paises desenvolvidos conforme os temas, preparando os acordos que seriam levados à sala de negociação oficial.

 

No sul da cidade (a 40 km de Sandton), no parque de exposições de Nasrec, acontecia o encontro das ONGs, às vezes apresentado como 'contra-cúpula', lugar de frêmito intenso, com a participação ativa de milhares de ONGs, grupos, associações, movimentos, cada um apresentando suas atividades nos stands, organizando fóruns, seminários, oficinas, debates, etc. Os objetivos de tantos grupos eram diferenciados. Alguns queriam antes de tudo confrontar suas experiências às de outros grupos/Ongs com práticas semelhantes; outros queriam influir no desenvolvimento das negociações em Sandton.

 

Perto de Sandton, Ubuntu Village estava o lugar de exposições dos países mais ricos e das empresas multinacionais. Algumas delas patrocinavam a organização deste imenso espaço. País ou multinacional, cada um rivalizava na propaganda para mostrar tudo o que já estavam fazendo para promover a sustentabilidade.

Muitos encontros, debates, oficinas, atividades culturais e exposições sobre temas específicos como o da água, aconteceram também em outros lugares de Joburg (diminutivo utilizado pelos habitantes da cidade). A amplidão do evento mundial influenciou boa parte da animação da cidade durante duas semanas.

 

Negociar o quê?

 

"Rio + 10" visava primeiro promover a implementação das propostas da Agenda 21. Para isso, ao longo de 4 encontros preparatórios, a ONU preparou um longo "plano de ação" que devia ser o 'prato principal das negociações'. O objetivo era chegar a propostas precisas e concretas, com prazos e meios fixados. No final do 4° encontro preparatório, em Bali (Indonésia), em maio de 2002, um esboço do longo documento foi publicado: 77 páginas bem cheias (na versão inglesa), com 152 parágrafos. 70% do documento foi aprovado em Bali. As partes 'entre colchetes' – para ser negociadas durante a cúpula – diziam respeito ao comércio, às finanças e à globalização, que seriam de fato os enfoques mais conflituosos nas negociações. Como sabemos, as pessoas e os paises podem entender-se sobre tudo, mas quando se trata de dinheiro, aí começam os conflitos. Podemos mencionar já aqui os 14 pontos que foram objeto de maior tensão entre os EUA e a UE: 1) princípios de Rio; 2) boa governança; 3) direitos humanos; 4) saneamento; 5) fundo de solidariedade; 6) energia; 7) produção e consumo; 8) comércio e finanças; 9) recursos naturais (biodiversidade); 10) mudanças de clima; 11) bens públicos comuns; 12) dimensões sociais; 13) parceria; 14) globalização. Voltaremos sobre esses pontos, quando considerarmos os resultados.

 

No mês de maio, respondendo de certa maneira à preocupação de muitas ONGs que consideravam o esboço de plano de ação preparado em Bali muito pobre e esvaziando de sentido a própria cúpula de Joburg, Kofi Annan, secretário geral da ONU, publicou uma carta pedindo que 5 pontos fossem a prioridade das negociações durante a cúpula. Este pedido foi, de fato, aceito. A carta – chamada às vezes de WEHAB, a partir da primeira letra das 5 prioridades em inglês (água, energia, saúde, agricultura, biodiversidade) – ia se tornar uma referência concreta.

 

Os principais negociadores

 

Os chefes das delegações oficiais eram os principais articuladores das negociações. Cada país tinha um número diferente de negociadores. Os mais ricos podiam chegar com mais de 300 negociadores (caso dos EUA), cada um especializado sobre um ou outro ponto em discussão. Muitos países não tinham os recursos para tantos gastos. A delegação oficial brasileira, com 51 membros inscritos, tinha certo peso. Tanto pelo seu tamanho, pela superfície da sua floresta amazônica, pelos seus numerosos recursos hidrológicos e pela sua riquíssima biodiversidade como pelas suas propostas avançadas (a maioria das vezes comuns com as da UE,da África do Sul, entre outros paises) e pelo fato de ter sido a país da "Rio 92", o Brasil teve presença destacada nas questões ambientais, mesmo se no final "é o dinheiro que manda", e o país está passando mal neste campo.

 

As alianças entre paises ou grupos de paises variavam conforme os pontos discutidos. Os EUA, os maiores opositores a decisões concretas com metas, prazos e meios marcados, foram muitas vezes apoiados pelo Japão e a Austrália. A União Européia, aliada com os EUA nas questões comerciais, de finanças e de globalização, estava mais próxima do G77 nos temas da luta contra a pobreza e ambientais. Os paises em desenvolvimento, agrupados no G77 (de fato são 132 países), presidido no segundo semestre de 2002 pela Venezuela, estiveram unidos sobre a maioria dos temas, salvo a energia. A China, mesmo que muitas vezes próxima do G77, não queria ser considerada como integrando esse grupo; daí o nome utilizado: G77/China.

 

O lobby

 

O lobby é uma dimensão essencial em cada processo de grandes negociações. Empresas multinacionais gastam muito dinheiro e têm os homens melhor preparados para defender os seus interesses em Washington, em Bruxelas ou nas capitais dos países ricos. Cada país defende antes de tudo os seus interesses econômicos, que são muitas vezes os das suas empresas multinacionais. Grandes ONGs internacionais também adquiriram uma boa capacidade para tentar defender os interesses mais comuns da sociedade e dos cidadãos.

 

Em Johannesburg, pela primeira vez, as empresas multinacionais estiveram fortemente presentes e, como veremos, conseguiram enormes resultados. Falou-se da participação ativa de 200 multinacionais, estreitamente articuladas numa "organização empresarial para o desenvolvimento sustentável" (no Brasil: Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS), com porta-voz único: o antigo presidente da Shell. Muitas vezes, os interesses dessas empresas eram defendidos pelos próprios delegados oficiais. Mas também elas tinham os seus próprios representantes para lembrar algumas exigências aos negociadores, se fosse necessário. Estavam presentes em Ubuntu Village, com muitos recursos, expondo seus projetos de ajuda à sustentabilidade.

 


Ainda que com menos recursos, as ONGs também tentaram ter voz nas negociações. Existem nos próprios procedimentos da ONU mecanismos de consulta à sociedade civil. Mas o lobby principal se faz junto aos negociadores. Poucas ONGs têm conseguido a capacidade de intervir 'profissionalmente' nos processos de negociação. Para ter peso, elas se beneficiam do apoio de milhares de outras ONGs 'na retaguarda' e da opinião pública. Assim, se a maioria das ONGs tinham as suas bases em Nasrec, um grupo delas estava muito ativo em Sandton. Para esta 2ª Cúpula de Terra, sete grandes ONGs internacionais tinham-se juntado (entre elas: Amigos da Terra, WWF, Greenpeace, Oxfam) na "Eco-Equity" para aumentar o seu peso e a sua capacidade de intervenção. Eco-Equity preparou uma resposta justificada a todos os parágrafos entre colchetes do plano de ação. Durante a cúpula oficial o grupo conseguiu, de fato, uma boa presença fornecendo diariamente excelentes boletins ao conjunto das ONGs, à imprensa, e até a delegados oficiais 'perdidos' nos labirintos das negociações. Esses boletins resumiam o que estava em jogo e o andamento dos jogos de força entre os paises no processo de negociação.

 

Infelizmente, a coordenação das ONGs da África do Sul, que organizou muito bem a cúpula das ONGs em Nasrec, não conseguiu se articular suficientemente para produzir um documento alternativo à declaração oficial. Merece, porém, ser mencionada a grande marcha organizada, antes da chegada dos chefes de Estado e governos, por movimentos sociais e em particular dos Sem-terra na África do Sul, com boa participação de delegados internacionais, desde a miserável favela, Alexandra, até o bairro muito chique de Sandton, onde acontecia a cúpula oficial.

 

O papel da ONU

 

A iniciativa de tamanho evento mundial só podia vir da ONU. No entanto, faz-se necessário perguntar sobre o peso dessa organização no desenvolvimento das negociações. O secretário geral da cúpula e dos seus quatro eventos preparatórios, foi o indiano Nitin Desai, homem aberto, próximo de Kofi Annan. Já vimos, como a preparação dum 'plano de ação' concreto em Bali tinha sido bloqueada pelos EUA. Kofi Annan tentou relançar a dinâmica com as cinco propostas prioritárias: água, energia, saúde, agricultura e biodiversidade. O secretário geral da ONU, hábil diplomata, é uma figura muito respeitada. Mede as suas palavras e não fala em vão. Defende eficazmente a credibilidade e o prestígio moral da ONU. Faz bons discursos, mas, como para o Papa, ninguém aplica as recomendações. Quem manda são os paises mais ricos, cada um defendendo os seus interesses, e os resultados das negociações correspondem à correlação de forças existente na plenária.

 

A situação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) reflete esta situação. Apesar dos riscos de destruição irreversível do planeta com graves conseqüências para a humanidade, o meio ambiente não é prioridade para os ricos, focalizados na obtenção de benefícios a curto prazo. O eficiente diretor executivo atual, o alemão Klaus Tötfer, não conseguiu para o PNUMA os recursos e a autoridade legal suficientes para administrar, em nome da comunidade mundial, problemas universais. Os apelos para que esta organização onusiana tenha os meios de atuar em nome de todos foram ignorados.

 

O desenvolvimento das negociações

 

O conjunto das negociações deve ser situado na continuidade da década da liberalização geral do comércio. A rodada Uruguai, primeira grande abertura das fronteiras, foi assinada em 1994 e, em continuidade, em 1995 foi criada a OMC. A tentativa abortada de fazer aprovar, às escuras, o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) foi retomada na preparação duma nova rodada – a rodada do Milênio – que devia ser muito mais abrangente que a anterior, para ser lançada em Seattle em 1999. Os conflitos de interesses entre os EUA e a UE e a mobilização da sociedade civil bloquearam a proposta da OMC. Doha (Qatar; novembro 01) relançou a iniciativa duma nova rodada de livre comércio, chamada "rodada do desenvolvimento". Para financiar o desenvolvimento, o encontro dos chefes de Estado e governos de Monterrey (México; março 02) promoveu as iniciativas do setor privado. É neste contexto global que se desenrolaram as negociações em Johannesburg. A dinâmica geral já estava indicada. Não houve surpresas, mas, sim, a confirmação – com algumas pequenas concessões – do que a maioria das ONGs temia. A 'declaração de Doha' e o 'consenso de Monterrey' foram muitas vezes citados como referência para o comércio e as finanças, enquanto Durban (África do Sul; dezembro 01) sobre o racismo, a tolerância e os direitos humanos, e Roma (junho 02) sobre a soberania alimentar não foram nenhuma vez mencionados.

 

Sobre os principais pontos em litígio (comércio, finanças, globalização), os EUA e a UE prepararam sozinhos, surpreendendo e desagradando os outros paises, um texto alternativo que foi colocado na mesa do presidente e do secretário geral. Gesto que expressava claramente quem estava de fato negociando. Os 'grandes', às vezes opostos mas muitas vezes unidos e fazendo concessões mútuas na defesa dos seus interesses respectivos, monopolizaram as negociações. Até o pequeno 'acidente' na noite do 31/8 para o 1/9 ilustra o conluio dos interesses entre os ricos. Na reta final das negociações, justamente antes da chegada dos chefes de Estado e governo, diante do bloqueio geral dos EUA, a UE saiu da sala de negociação, propondo submeter as decisões à autoridade dos ministros. Isso teria atrasado e complicado bastante as decisões. A UE voltou duas horas mais tarde, à meia noite. Até as três da manhã houve uma troca de arranjos entre os dois blocos.

 

Resultados: opiniões contratadas.

 

As apreciações contrastadas dos diferentes atores relativizam os resultados. As empresas transnacionais e os governos dos países ricos – grandes vencedores – consideram que "a cúpula avançou na direção certa"; mas, os governos dos paises mais pobres e as ONGs consideram que toda a humanidade e a Terra perderam de vez.

 

O discurso das empresas é mais entusiasta: "Não vejo a possibilidade de qualquer desenvolvimento sustentável sem implicar as empresas... o que nos interessa é o concreto, enquanto as ONGs trabalham mais no político... assumimos nosso estatuto de empresa privada e nossos imperativos de resultados; pensamos que nossa capacidade pode ajudar a resolver os problemas da pobreza" opinava um dirigente empresarial, entre muitos outros.

 

As ONGs são mais críticas; desilusão, amargura e frustração apareceram nas suas avaliações. Para a maioria delas, a comunidade internacional está muito longe dos compromissos assumidos no Rio: "os governos continuam mostrando uma trágica falta de vontade de traduzir os princípios do Rio em ação. Ao contrário, assistimos à fuga das responsabilidades pelos Estados, à promoção do mercado como árbitro maior das questões sociais e ambientais", à uma submissão irresponsável dos Estados à globalização liderada pelas multinacionais". A declaração final de algumas grandes ONGs diz: "Como dizer que vamos reduzir a pobreza da metade da humanidade sem objetivos e compromissos concretos, sem datas, só com boa vontade? ... a Cúpula foi refém das multinacionais; os verdadeiros vencedores da Conferência são os paises como os EUA, a Austrália ou a Arábia Saudita, que não queriam engajamentos quantitativos e que defendem a indústria do petróleo... toda a cúpula apenas legitima a agenda do livre comércio". Ao entusiasmo de uma grande multinacional das águas, o coordenador mídia das ONGs respondeu : "o problema é que não sabemos se os mercados do sul trarão benefícios às empresas. Daí o perigo de os que não puderem pagar serem excluídos pelas empresas que vão gerenciar a água ou a energia". Os grandes objetivos sociais do Milênio definidos em Conferências internacionais anteriores foram deixados de lado.

 

Muitos governos de paises em desenvolvimento têm uma apreciação próxima à das ONGs: "Que diferença entre os discursos e a ação! Os maiores poluidores se declaram os maiores defensores da causa ambiental, e não querem assumir nenhum compromisso para salvar o planeta, nem manter os objetivos oficiais da ajuda para o desenvolvimento" declarou o presidente do Equador.

 

Os resultados do 'WEHAB'

 

Água e saneamento: a proposta de reduzir pela metade, até 2015, o número das pessoas que não têm acesso nem à água potável (1,1 mil milhão) nem ao saneamento (2,4 mil milhões) é uma das poucas medidas em favor das populações mais pobres. A proposta supõe que se dê acesso à água a 200.000 novas pessoas cada dia, e o custo global é avaliado em US$ 180 mil milhões. Mas não há indicação de quem promoverá tal proposta. Serão as multinacionais da água?

 

Energia: foi um dos últimos pontos das negociações, tamanha era a resistência dos EUA e das multinacionais e países produtores de petróleo. Diante do esquentamento do planeta e das mudanças de clima, a proposta da Convenção sobre o clima na "Rio 92" foi de trazer as emissões de gases com efeito estufa ao nível de 1990 até 2000. Não foi feito. A proposta da Convenção foi reforçada com o Protocolo de Kyoto em dezembro de 1997: reduzir até 2012 as emissões de pelo menos 5% em relação ao nível de 1990. A UE e o Brasil, com outros paises, lideraram a assinatura e ratificação do Protocolo, e propuseram aumentar até 15% em 2015 as energias renováveis na produção energética mundial. Até Johannesburg, alguns paises grandes poluidores não tinham ratificado o protocolo de Kyoto. Este foi lembrado no plano de ação, mas sem caráter obrigatório. O anuncio público, desde a tribuna principal da Cúpula, pelo Canadá, a China, a Índia e a Rússia de que iriam ratificá-lo sem demora foi uma das boas novas da Cúpula. Os EUA e a Austrália ficam isolados. Mas a proposta dos 15 % foi reduzida ao apelo a um "aumento substancial", sem meta quantitativa nem prazo.

 

Saúde: o texto tinha sido aprovado em Bali, mas o Canadá queria reabrir a negociação. Foi um caso de procedimento. O parágrafo de Bali chamava os Estados a "fornecer a todos serviços sanitários básicos eficazes, respeitando as legislações nacionais e os valores culturais e religiosos", sem menção do planejamento familiar. Essa posição era defendida pelos EUA sob a presidência de Bush, os paises muçulmanos e o Vaticano. O Canadá, apoiado pela EU, dizia que a última parte da frase significava a vitória dos Estados recusando o aborto ou a prática da excisão. Juntos pediram acrescentar a expressão "em conformidade com todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais". Sem esse acréscimo, que foi aprovado depois de áspero debate, não haveria menção nenhuma dos direitos humanos no documento final.

 

Agricultura: os paises em desenvolvimento pediram novamente que tanto na Europa como nos EUA fossem suprimidas as subvenções à agricultura que impedem a concorrência dos seus produtos agrícolas e os privavam de importantes recursos financeiros. EUA e UE formaram uma frente unida e conseguiram que Plano de Ação apenas confirmasse as posições de Doha: uma diminuição e supressão dos subsídios num prazo indefinido. Na 2ª reunião ministerial da "rodada do desenvolvimento", no México em novembro de 2003, a batalha será forte.

 

Biodiversidade: houve, neste campo, dois pequenos avanços. A proposta é de chegar em 2010 a inverter a tendência destrutiva atual da biodiversidade. Mas nenhum objetivo preciso é indicado. Apenas chegou-se a algo mais preciso para a pesca já que 75% dos cardumes são ameaçados de destruição irreversível. O objetivo fixado para 2015 é de não pescar mais peixes do que permite a regeneração dos estoques. O acréscimo "onde for possível" reduz a significância do objetivo.

 

Outros resultados

 

Tamanho e tão caro evento por tão poucos resultados diante de tamanhos desafios ambientais, sociais e de produção! O balanço pode parecer medíocre; e o é! Dando uma nota ao resultado sobre os principais temas em jogo, um grupo de ONGs chegou à nota final: 2,2. As apreciações variam. Talvez não foi tão ruim como muitos temiam, mas não correspondeu – nem de longe – ao que era necessário para encarar de verdade os imensos desafios da sustentabilidade e assumir as nossas responsabilidades diante do presente e do futuro. Alguns outros resultados ilustram o porquê da desilusão e frustração de muitos.

 

Uma tentativa maior dos paises ricos e das multinacionais foi submeter qualquer acordo ambiental multilateral às regras da OMC. A proposta estabelecia a prevalência decisiva do mercado sobre a defesa do meio ambiente. As medidas ambientais poderiam ser consideradas como medidas protecionistas e ser denunciadas diante da OMC. Mais! o mercado ia ser considerado como o melhor instrumento para proteger a integridade do planeta! Por incrível que pareça, tamanha contradição foi derrotada no último momento pela voz de um pequeno país, que declarou : "em consciência, não posso aprovar tal proposta". E, por 'efeito dominó' muitas outras vozes se juntaram para recusar essa proposta tão perniciosa.

 

A presença nova e atuante das multinacionais no desenvolvimento – o que alguns chamam a "tentativa de privatizar o desenvolvimento sustentável" – foi a confirmação das 'novas iniciativas de parceria' para o desenvolvimento, chamadas "Tipo 2". Até Monterrey, a ONU apoiava apenas acordos intergovernamentais que apresentassem um marco regulador de parceria entre os governos e outros setores. O novo modelo de parceria "Tipo 2" promove acordos entre empresas, autoridades públicas, e setores da sociedade civil. O risco é que os governos abdiquem de suas responsabilidades e deixem às empresas o maior controle dos processos de desenvolvimento. Muitas vezes a sociedade civil não dispõe dos instrumentos de informação, organização ou mesmo de formação para acompanhar processos complexos. Já mais de 400 'projetos de parceria' foram apresentados à ONU pelas grandes empresas para se beneficiar dos recursos disponíveis. No entanto muitos dos diversos projetos não estabelecem uma política de desenvolvimento. O risco é real: sem controle nacional e internacional pelos governos, organismos internacionais ou sociedade civil, o desenvolvimento sustentável pode depender sempre mais do capital privado.

 

Outro sinal da nova presença das empresas no desenvolvimento foi a debate sobre as suas responsabilidades sociais e ambientais . Tal tema era novo num recinto oficial internacional tão solene. A proposta feita, já faz anos, por setores civis, intelectuais e até empresariais de elaborar um código ético para as empresas, em matéria social e ambiental, enfrentou uma maior resistência. É assim que a responsabilidade da empresa é mencionada no plano de ação e na declaração política, mas de forma bem geral e sem caráter obrigatório.

 

O conceito de sustentabilidade questiona radicalmente o modelo econômico predominante produtivista-consumista. Tanto pela sua abrangência como pela urgência de soluções, o tema era mesmo sensível. Alguns pequenos primeiros passos foram feitos. Num prazo de dez anos, alguns programas de modificação dos modos atuais de produção e consumo (economia ou novas fontes de energia; melhor preservação dos recursos naturais, etc.) deveriam ser encaminhados, mas a articulação entre o crescimento da economia e a degradação do meio ambiente foi rejeitada.

 

Entre as ONGs, muitos temiam que alguns princípios centrais da "Rio 92 " fossem abandonados e que a "Rio + 10" se transformasse numa "Rio – 10". O princípio de precaução ou cautela, adotado no Rio, estabelece a possibilidade para um Estado de restringir uma atividade ou um produto na ausência de certeza científica sobre o seu caráter inofensivo. O debate principal até agora diz respeito ao controle sobre os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados). A batalha foi dura. O próprio Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, vaiado pela Assembléia, questionou desde a tribuna da plenária os países da África que se recusam a aceitar o milho transgênico das empresas norte-americanas para resolver os problemas da fome! O princípio de precaução se transformou no documento final numa "aproximação de cautela", mas a tentativa de submetê-lo às regras da OMC foi rejeitada. A disputa continua e será de novo intensa na próxima reunião ministerial da OMC em 2003.

 

O outro princípio central 'de responsabilidade comum mas diferenciada' , também chamado de 'internalização dos custos' ou de maneira mais popular de 'poluidores-pagadores'. O princípio foi lembrado no documento final, sublinhado a responsabilidade dos países mais ricos na degradação do planeta, mas sem nenhum caráter coercitivo.

 

A problemas globais, soluções globais. Os riscos ambientais, articulados às situações sociais e econômicas, não têm soluções meramente nacionais. Tal é o desafio da Governança global. Houve apelos para implementar um organismo internacional – ao exemplo da OMC – com autoridade legal reconhecida por todos para regular e disciplinar as políticas ambientais. A resposta foi um apelo a soluções nacionais (sic) e regionais, sem aceitação de uma autoridade mundial. O papel do PNUMA não foi modificado; apenas os meios do Fundo para o Meio Ambiente serão aumentados de US$ 3 bilhões.

 

Desde 1969 os paises da OCDE se comprometeram de consagrar 0,7% dos seus PIB em favor do desenvolvimento. Bem utilizado, tal montante de APD (Ajuda Pública para o Desenvolvimento) teria facilitado grandes avanços. Grande é a distância entre as declarações e os atos: o total da APD alcança apenas 0,32 % dos PIB (0,10% para os EUA). As boas intenções foram renovadas sem convencer muito. UE e EUA confirmaram as promessas feitas em Monterrey de aumentar respectivamente de US$ 6 bilhões e US$ 5 bilhões as suas ajudas, desta vez não mais para o desenvolvimento mas para fortalecer os organismos e as estruturas de promoção do livre comércio. Tais intenções nos deixam perplexos: será que os paises ricos querem realmente alcançar os objetivos sociais do Milênio, ou trata-se outra vez de fazer falsas promessas para manter a paciência dos excluídos?

 

O fato de a 2ª Cúpula da Terra acontecer na África favoreceu uma certa atenção aos problemas particulares do Continente. Johannesburg era provavelmente a única cidade do continente com infraestrutura suficiente para tamanho evento. O prisma predominante de todos os temas da cúpula era o do comércio e das finanças. Era a chave interpretativa principal. Por certo, encontram-se no Plano de Ação algumas propostas de luta contra a desertificação com a ajuda financeira do Fundo para o Meio Ambiente, mas o verdadeiro plano de ação para a África, com a bênção dos países mais ricos e das instituições financeiras internacionais é o NEPAD (New Partnership for Africa´s Development) . Esse novo programa, aprovado pelos líderes africanos em outubro de 2001, adota o comércio como força principal para o desenvolvimento e a luta contra a pobreza. ONGs e grupos das Igrejas questionam: o programa foi elaborado por alguns tecnocratas liberais, sem análise das verdadeiras necessidades prioritárias da África e sem consulta dos organismos competentes da sociedade civil.

 

"Prevaleceram os interesses econômicos; os problemas sociais e ambientais foram sacrificados": essa opinião predominava entre as ONGs. Como justificar que os direitos humanos e direitos sociais sejam apenas mencionados no Plano de Ação final? Tanto uns como outros estavam ausentes do documento preparatório feito em Bali. Como vimos, a única menção dos direitos humanos foi introduzida a pedido do Canadá e da UE no capítulo sobre a saúde, para o acesso das mulheres ao planejamento familiar e a luta contra as violências sexuais. Os direitos sociais foram introduzidos timidamente numa referência à OIT e são secundários com respeito às regras da OMC.

 

A Declaração política passou por fases delicadas. O esboço demasiado geral e vago, proposto pelo secretário geral da cúpula não satisfazia nem um lado (países ricos e empresas transnacionais) nem o outro (países em desenvolvimento e ONGs). O bloqueio foi intenso. Apareceu a eventualidade de não haver Declaração política ou uma assinada apenas pela África do Sul. A iniciativa da própria presidência da cúpula – o presidente sul-africano Tabo Mbeki – salvou a situação. O texto aprovado no último momento (4 páginas) confirmou os sentimentos de muitos: existe uma desproporção total entre as declarações e as práticas. A Declaração política proclama o grande otimismo e a determinação irrestrita dos chefes de Estado de encarar os problemas ambientais, sociais e econômicos da sustentabilidade e de alcançar os objetivos sociais do Milênio. Mas onde estão no Plano de Ação os objetivos concretos e as metas quantitativas, com prazos e meios definidos, com procedimentos de implementação e de controle? A declaração política não menciona o protocolo de Kyoto, os subsídios à agricultura, a governança global, nem lembra os fortes princípios da "Rio 92". Mas, positivamente, faz um apelo à responsabilidade das empresas (maneira elegante de reconhecê-las como ator integral do desenvolvimento sustentável), confirma o papel central da ONU (contra as tentativas dos EUA de relativizar o seu papel para valorizar o da OMC) e os benefícios do multilateralismo como método do futuro. A experiência do tratamento reservado às Declarações políticas de outros encontros internacionais – a do Rio, particularmente – não permite ser muito otimista.

 

Conclusões

 

"Em Johannesburg, a Cúpula da Terra foi 'pirateada' pelas grandes empresas" titulava um grande jornal internacional. A cúpula confirmou o papel crescente da OMC na definição das políticas internacionais. O comércio predominou, o ambiental foi tema anexo, o social foi deixado de lado. Doravante o livre comércio é considerado como a panacéia não só para os problemas da pobreza e miséria, mas também às ameaças de destruição ambiental.

 

Os EUA pressionaram com todo o seu peso (com uma enorme delegação oficial) para promover essa prevalência do comércio, defendendo os seus interesses com unhas e dentes. Junto com a EU, impuseram as regras de jogo durante toda a cúpula. O encontro foi 80% dos dois blocos com, às vezes, a participação anexa de um ou outro país sobre pontos específicos. Mesmo que representando os interesses de 132 países em desenvolvimento, o G77/China, nem sempre unido, não conseguiu fazer valer os seus pontos de vista. Houve negociações? Talvez seja mais correto ter a lucidez e coragem reconhecer que foi muito mais a imposição das regras pelos mais fortes.

 

O vago do conceito de Desenvolvimento Sustentável que não ajudou a avançar na década de 90 não foi superado durante a cúpula. As contradições entre os três pólos: ambiental (planeta), social (povo) e econômico (prosperidade) aparecem mais claramente. A complexidade da questão do futuro do nosso planeta, da nossa humanidade e das gerações futuras é mais evidente do que 10 (Rio) ou 30 (Estockholmo) anos atrás. A responsabilidade comum de todos os paises e de todos os atores não pode ser mais escondida. Já é tempo de distinguir melhor os múltiplos desafios, buscar e encontrar soluções concretas para cada um deles. Metodologicamente, as grandes celebrações demasiado abrangentes, como essa última cúpula de Joburg, mostraram os seus limites. Encontros menores, mais diversificados e melhor focalizados podem suscitar maior interesse e participação responsável de muitos.

 

[*] Por por Bernard Lestienne. IBRADESa http://resistir.info

 

PREÇOS SOBEM EM SÉTIMO LEILÃO DA RGGI

Quase US$ 88 milhões foram arrecadados no primeiro leilão trimestral da Iniciativa Regional de Gases do Efeito Estufa (RGGI, em inglês) em 2010 para investimentos em energias limpas.

 

Todas as mais de 40 milhões de permissões de emissão para o primeiro período de controle (2009-2011) foram vendidas a US$ 2,07, uma suave alta em relação ao leilão anterior.

 

Em uma oferta paralela, os estados da RGGI também leiloaram cerca de 2 milhões de permissões para o segundo período (2012-2014) a US$ 1,86.

 

Até agora a quantidade vendida em todos os leilões soma mais de US$ 582,3 milhões que está sendo investida, segundo a RGGI, em eficiência energética e na aceleração do emprego de tecnologias para energias renováveis, criando postos de trabalho especialmente em setores como auditoria energética e instalação de isolamento residencial.

 

O representante da comissão de usinas públicas de Nova Hampshire Clifton Below disse que os programas financiados com recursos da RGGI atualmente apóiam aproximadamente 200 postos de trabalho a tempo integral o seu estado.

 

“Os programas de eficiência ampliados, financiados em parte pela RGGI, devem criar ou manter cerca de 4 mil empregos em Massachusstts ao longo de três anos”, comentou o comissário do Departamento de Recursos Energéticos de Massachusetts Phil Giudice.

 

O sexto leilão da RGGI no início de dezembro de 2010 apresentou uma queda para US$ 2,05 nos valores das permissões de emissão, sendo que no quinto o preço de compensação foi de US$ 2,19/ton e no quarto em junho de 2009 foi de US$ 3,23.

 

A RGGI é composta por dez estados do nordeste dos Estados Unidos, são eles Connecticut, Delaware, Maine, Maryland, Massachusetts, Nova Jersey, Nova Hampshire, Nova York, Rhode Island e Vermont.

 

O primeiro esquema compulsório de mercado norte-americano impõe um limite de 188 milhões de short tons (1 short ton é igual 2000 libras ou 907.18474 quilos) ao ano até 2014 nas emissões de dióxido de carbono do setor energético. A partir de 2015 até 2018 o limite será reduzido em 2,5% ao ano. Fonte: CarbonoBrasil

 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O TRUNFO DO BRASIL PARA SAIR DA RIO+20 COMO LÍDER VERDE

A menos de dois meses da Rio+20, o país anfitrião e presidente da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável guarda uma pequena carta na manga, discutida ainda discretamente nas negociações que envolvem 193 países. Trata-se da proposta de criação de um piso mundial de proteção socioambiental preparada pelo Brasil.

 

A proposta aparece no debate do desenvolvimento sustentável como prima mais robusta do piso de proteção social, uma espécie de Bolsa-Família em âmbito global já incorporado como experiência-modelo pela Organização das Nações Unidas (ONU). E tem elementos de outro programa elogiado do governo, o Bolsa Verde, que remunera famílias que vivem em unidades de conservação na Amazônia e adotam práticas ambientais sustentáveis.

 

Além de garantir uma renda mínima para combater a extrema pobreza, o piso socioambiental proporcionaria uma remuneração extra aos pobres pela proteção de florestas e a recuperação de áreas degradadas, de acordo com o esboço a que o Estado teve acesso.

 

A expectativa do Brasil é de que o piso de proteção socioambiental conste da declaração final a ser assinada pelos chefes de Estado e de governo e pelos demais representantes das Nações Unidas. “Esse será um dos principais produtos da Rio+20”, diz documento que detalha a proposta do piso e aponta como uma das possíveis fontes de financiamento a cobrança de tributo sobre movimentações financeiras.

 

O documento final da Rio+20 vem sendo negociado oficialmente desde novembro do ano passado, quando cada um dos países apresentou suas propostas. Até aqui, os rascunhos produzidos vêm sendo criticados pela falta de avanços esperados para a conferência que se realiza 40 anos depois de a Organização das Nações Unidas adotar formalmente a defesa do “desenvolvimento sustentável”, em que o crescimento econômico reconhece os limites dos recursos naturais e considera o combate à exclusão social como um de seus objetivos.

 

A começar pelo título dado ao rascunho da declaração final, “O futuro que queremos” - muito próximo de um relatório da ONU nos anos 80, chamado “Nosso futuro comum” -, as negociações seguem acanhadas. A expectativa de um fracasso da cúpula fez os negociadores brasileiros prometerem, na semana passada, resultados “ambiciosos”.

 

‘Ponto de partida.’ A promessa é uma forma de tentar driblar a expectativa de fracasso da conferência e, sobretudo, garantir a presença de líderes mundiais importantes, essencial para que o Brasil avance no projeto de consolidar sua própria liderança no debate mundial do desenvolvimento sustentável. “Temos obrigação de pensar grande”, explicou um diplomata.

 

A liderança reivindicada pelo Brasil se baseia nos resultados obtidos, até aqui, pela redução da pobreza e pelo combate ao desmatamento da Amazônia, além de uma matriz energética em grande parte renovável.

 

Pensar “grande” não significa, para os negociadores brasileiros, esperar por resultados imediatos da Rio+20. A proposta mais importante dos debates, até aqui, prevê o estabelecimento de metas do desenvolvimento sustentável a partir de 2015, com três anos de prazo para o detalhamento das metas em torno das quais os países assumiriam compromissos, e mais 15 anos de prazo - até 2030 - para o alcance das metas.

 

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) seguem o modelo dos Objetivos do Milênio, definidos pelas Nações Unidas em 2000, com metas até 2015. A principal diferença é que todas as nações assumiriam compromissos e não apenas os países em desenvolvimento.

 

Outra diferença é um conjunto mais amplo de compromissos, envolvendo não apenas o combate à pobreza, mas provavelmente o uso de energias sustentáveis e acesso à água, por exemplo. Não está certo que os temas serão definidos já.

 

Parece pouco lançar o debate de metas para uma economia verde 20 anos depois de a Eco-92 lançar a Agenda 21, com compromissos de produção e consumo sustentáveis - grande parte deles ainda no papel. Mas os principais negociadores brasileiros acertaram o discurso de que a próxima conferência das Nações Unidas não é uma conferência “de chegada”, para o fechamento de acordos, mas uma “conferência de partida”, com o lançamento de propostas.

 

Embora seja realizada exatamente 20 anos depois da Eco-92, para o governo brasileiro, a Rio+20 deve ser vista como o primeiro passo de um projeto para os próximos 20 anos.

 

Os negociadores brasileiros alegam que o mundo mudou muito nos últimos 20 anos e um novo pacto sobre o conhecido paradigma do desenvolvimento sustentável é necessário depois da crise financeira internacional iniciada com a bancarrota do banco norte-americano de investimentos Bear Stearns, em março de 2008, e dos mais recentes sinais de empobrecimento de populações na Europa.

 

O rascunho zero da declaração final da Rio+20 registra “retrocessos” nos últimos anos para a agenda: “O desenvolvimento sustentável continua sendo uma meta distante e ainda restam grandes barreiras e lacunas sistêmicas na implementação de compromissos aceitos internacionalmente”, diz o texto, que ganhará novas versões até o Dia D da Rio+20, 22 de junho.

 

Resistências. Os negociadores lidam com resistências grandes de países em desenvolvimento reunidos no Grupo dos 77, do qual o Brasil faz parte, a restrições que venham a ser impostas por compromissos com a economia verde à comercialização de produtos desses países. O temor é de que a defesa da economia verde sirva à imposição de barreiras comerciais.

 

A saída para o imbróglio seria adotar um conceito mais flexível do que vem a ser “economia verde” ou com baixo consumo de carbono, anteciparam representantes do Itamaraty na semana passada. Foi mais um sinal das dificuldades em lidar com o assunto mais complicado da agenda do desenvolvimento sustentável, que também é obstáculo na agenda do combate ao aquecimento global: a redução das emissões de gases de efeito estufa.

 

O tema da mudança climática será tratado de forma superficial na declaração final, segundo a versão em discussão no momento. Alega-se que esse não é o tema de convocação da Rio+20.

 

Outro ponto em que falta acordo até aqui é o arranjo institucional das Nações Unidas que cuidará do acompanhamento das metas do desenvolvimento sustentável e temas como a transferência de tecnologias.

 

Para compensar temas de pouco apelo popular, a organização da Rio+20 resolveu promover dez mesas com especialistas e sem a presença dos governos, para que a sociedade civil encaminhe sugestões à declaração final. O pior cenário para os negociadores é a Rio+20 chegar ao final sem um consenso mínimo entre os 193 países nas Nações Unidas. Fontes: Revista DAE /O Estado de São Paulo

 

IPEA: COLETA SELETIVA CHEGA A APENAS 18% DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

A boa notícia é que a coleta seletiva aumentou 120% nas 994 cidades que mantinham esse programa entre 2000 e 2008

 

Dois anos depois da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, a coleta seletiva, prevista na lei, estava presente apenas em 18% dos municípios brasileiros. E, nas cidades onde ela já estava implementada, a quantidade de material recuperado nesses programas ainda era pequena quando comparado com o total coletado. Os dados constam no levantamento Plano Nacional de Resíduos Sólidos: Diagnóstico dos Resíduos Urbanos, Agrosilvopastoris e a Questão dos Catadores, divulgado nesta quarta-feira, 25 de abril, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

 

A boa notícia é que a coleta seletiva aumentou 120% nas 994 cidades que mantinham esse programa entre 2000 e 2008. Apesar do incremento das ações, o estudo mostra que, no caso dos metais, por exemplo, das 9,8 milhões de toneladas de resíduos reciclados em um ano, apenas 0,7% foi recuperado pela coleta seletiva. Na reciclagem de 3,8 milhões toneladas de papel e papelão, a coleta seletiva respondeu por 7,5% e, no caso do plástico (962 mil toneladas/ano) e vidro (489 mil toneladas/ano), a recuperação dos materiais a partir da coleta seletiva foi pouco maior que 10%.

 

De acordo com o Ipea, os números indicam que “a reciclagem no país ainda é mantida pela reciclagem pré-consumo e pela coleta pós-consumo informal”.

 

Em relação à coleta regular total, o levantamento mostra que a cobertura no país vem crescendo e alcançou, em 2009, 90% dos domicílios do país. A distribuição, entretanto, revela uma desigualdade entre a área urbana, onde a coleta supera o índice de 98%, e as áreas rurais, onde a cobertura ainda não atinge 33%.

 

“A geração de resíduos sólidos urbanos tende a aumentar não apenas com o aumento da população, mas também com o aumento da renda, principalmente quando estratos da população que tinham acesso muito restrito a produtos industrializados e embalados ganham poder de compra”, alerta o documento.

 

Lixões ainda preocupam

 

De acordo com o estudo do Ipea, mais de 74 mil toneladas de resíduos sólidos ainda são encaminhadas, diariamente, para os lixões do país ou para aterros controlados – antigos lixões que passaram por melhorias para virarem aterros. Apesar de o volume ainda ser significativo, o levantamento aponta uma redução de 18%, em oito anos, nesse tipo de destinação de resíduos.

 

Os municípios brasileiros devem eliminar os lixões até 2014, segundo estabelece a PNRS. A menos de dois anos do prazo final, o relatório aponta a existência de 2,9 mil áreas como essas distribuídas em quase 3 mil municípios. “Os consórcios públicos para a gestão dos resíduos sólidos podem ser uma forma de equacionar o problema dos municípios que ainda têm lixões como forma de disposição final”, sugerem os pesquisadores do Ipea.

 

O levantamento mostra ainda que a quantidade de resíduos e rejeitos dispostos em aterros sanitários aumentou 120%, entre 2000 e 2008. “Os municípios de pequeno e médio porte apresentaram acréscimos significativos na quantidade total de resíduos e rejeitos dispostos em aterros sanitários”, acrescenta. Para o instituto, esse incremento pode ser resultado do recebimento de resíduos produzidos, coletados ou gerados nos municípios de grande porte.

 

O Ipea ainda alerta para o problema do resíduo orgânico, que não é coletado separadamente no país. “Essa forma de destinação gera despesas que poderiam ser evitadas caso a matéria orgânica fosse separada na fonte e encaminhada para um tratamento específico, por exemplo, para compostagem”, sugere.

 

Segundo o levantamento, do total estimado de resíduos orgânicos que são coletados (94 mil toneladas por dia), apenas 1,6% é encaminhado para tratamento em usinas de compostagem, que controlam a decomposição desses materiais para obter um material final rico em nutrientes que pode ser usado como adubo, por exemplo.

 

“No geral, pode se afirmar que as maiores deficiências na gestão dos resíduos sólidos encontram-se nos municípios de pequeno porte, com até 100 mil habitantes, e naqueles localizados na região Nordeste”, avalia o relatório.

 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

LÂMPADA WAKAWAKA BUSCA ILUMINAR AS REGIÕES MAIS VULNERÁVEIS DO MUNDO

O ano de 2012 chegou, no entanto, segundo a empresa WakaWaka Shine Bright, ainda existe cerca de 1,5 bilhões de pessoas em todo o mundo sem acesso a uma fonte estável e segura de luz. Para solucionar este caso, o Studio Kalkwijk, em Nova York, criou uma lâmpada solar intitulada de WakaWaka que significa “brilhar” em suaíli. Um conceito de luz solar LED que pode caber em uma garrafa PET. A ideia é de que a novidade seja implantada nas regiões mais vulneráveis do mundo em nível social, onde é comum utilizar lampiões e querosene na iluminação noturna, o que muitas vezes ocasiona incêndios, explosões e asfixias.

 

Similar ao Solar Pebble, LuminAID e Sollight, a lâmpada deve chegar ao mercado a um preço de US$ 10, o equivalente ao que é gasto com a utilização de querosene de dois a três meses. A vantagem em relação aos seus concorrentes é que o WakaWaka, quando carregado durante um dia inteiro a base de energia solar, fornece 16 horas de luz, enquanto o Solar Pebble chega perto, com 12 horas, mas os outros ficam para trás com apenas 4 a 6 horas de tempo de uso.

 

Fora de ambientes rurais de baixa renda, a lâmpada serve como lanterna de acampamento conveniente, acessório ao ar livre, luz de leitura de cabeceira ou carregador de telefone celular. A lâmpada é leve e possui uma bateria substituível que, segundo seus fabricantes, quando utilizado em uma base diária, pode durar três anos.

 

Ação social

 

Como parte de uma iniciativa Kickstarter, que é uma plataforma de financiamento para projetos criativos, os criadores WakaWaka doarão três lâmpadas solares para os alunos e professores na escola Mwamtsefu no Quênia, a partir da doações da sociedade.

 

Na plataforma existem opções de doações desde US$1 até US$1.000. Dependendo da quantia doada, o doador receberá desde títulos de fundador do WakaWaka até a própria lâmpada solar LED e seus assessórios.

 

O WakaWaka é dirigido por Camille van Gestel, um dos fundadores do Off-Grid Solutions, uma empresa que cria soluções viáveis e acessíveis para famílias que não têm acesso à eletricidade. Se você quer apoiar este projeto, acesse a plataforma Kickstarter e faça a sua doação. Fonte: Portal EcoD

sexta-feira, 20 de abril de 2012

RIO+20 DEVERIA PROPOR IPCC DA SUSTENTABILIDADE

As evidências científicas ainda não estão sendo incorporadas de forma efetiva nas ações em busca do desenvolvimento sustentável, e a Rio+20 deveria trazer, em seu documento final, um incentivo claro para isso. Essa é a opinião que será defendida por um grupo internacional de cientistas na conferência, de acordo com o pesquisador alemão Gisbert Glaser, do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).


O órgão, juntamente com a Academia Brasileira de Ciências e o Ministério da Ciência e Tecnologia, realiza entre os dias 11 e 15 de junho, na PUC do Rio, o Fórum de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Na entrevista a seguir, Glaser sugere que, para acelerar a transição para um futuro mais sustentável, a conferência deveria apoiar um novo mecanismo de pesquisas sobre o assunto.

Do ponto de vista da ciência, qual é o principal problema do rascunho zero da Rio+20?

Ele ainda não é muito ambicioso. Não da forma que precisaria ser para que nos próximos dez anos avancemos para um desenvolvimento sustentável. Ainda não vemos compromissos mais fortes no documento, apesar de haver uma boa quantidade de boas propostas, relacionadas à urgência de ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, reverter a perda de biodiversidade, parar a degradação das florestas, reduzir o desperdício e a poluição de água, assim como ações mais concretas para reduzir o número de pessoas vivendo em extrema pobreza, acesso à energia e à água limpa para todos.

Muitos pesquisadores têm declarado que falta ambiente ao documento. O senhor concorda?

De fato, muitos países em desenvolvimento, mas também alguns países ricos, têm dado uma ênfase maior ao desenvolvimento econômico e social no documento final. As questões ambientais não estão fortemente refletidas. Por outro lado, o impacto das atividades humanas sobre a natureza alcançou o nível em que atingimos alguns dos limites do planeta. Estamos realmente em risco de seriamente perturbar o funcionamento de alguns sistemas naturais. Na primeira conferência no Rio, não sabíamos que isso era tão sério. Mas, 20 anos depois, sabemos que estamos atingindo os limites do planeta e isso deveria estar claro no documento como uma preocupação para governos, sociedade civil, empresas, indústrias, todos.

O ICSU diz que a Rio+20 deveria ser um marco no desenvolvimento de um novo contrato entre ciência e sociedade. O sr. acha que a ciência ainda não está sendo considerada nas discussões?

Acho que ainda não o suficiente, tantos nas discussões quanto no documento que deve resultar da conferência. Mas temos de reconhecer que, nas últimas duas décadas, os cientistas evoluíram muito em analisar os problemas. Precisamos agora que a ciência pense mais em soluções. Essa seria a chave para um novo contrato entre ciência e sociedade. A comunidade científica precisa reorientar seu trabalho. Claro que temos de continuar analisando os problemas e as consequências que devemos ter se não agirmos urgentemente e na direção correta. Mas precisamos de um novo esforço de pesquisas que busquem por soluções e implementação. Já existem várias, mas não são aplicadas ou esse conhecimento nem sequer está acessível. Acredito que um incentivo a essa busca pela comunidade científica e tecnológica deveria estar no documento. É o que vamos propor nesta pesquisa que vamos lançar no fórum, a Future Earth.

O sr. pode adiantar algo sobre o conteúdo dessa pesquisa?

Precisamos começar a olhar para os problemas de modo mais integrado. Por exemplo, para realmente transformar as grandes metrópoles. Em vez de apenas olhar para os problemas futuros das mudanças climáticas, é hora de lidar com as situações que essas cidades já enfrentam e que contribuem com as emissões de gases-estufa, com consumo dos recursos naturais, com a perda da biodiversidade. A ciência precisa ajudar a encontrar uma atuação mais integrada para os governantes e para quem está planejando as cidades. É o tipo de pesquisa para o qual deveríamos nos voltar daqui pra frente.

De que modo o sr. acha que isso deveria aparecer no documento final da Rio+20?

Nossa proposta é que o documento deveria apoiar o estabelecimento de um mecanismo global de facilitação para a ciência e a tecnologia para o desenvolvimento sustentável e a economia verde, com foco em cooperações entre Norte e Sul e entre Sul-Sul. Esse mecanismo deveria encorajar mais pesquisas e principalmente um melhor acesso e melhor aproveitamento desse conhecimento. Outra dimensão é em relação ao domínio da ciência para as políticas. Algo como o painel que existe para avaliar as pesquisas de mudanças climáticas, o IPCC. Precisamos de algo assim, que faça relatórios regulares da perspectiva do desenvolvimento sustentável. Fonte: Estado de São Paulo

 

REPENSAR A ECONOMIA. O DESAFIO DO SÉCULO XXI. ENTREVISTA ESPECIAL COM RICARDO ABRAMOVAY, DA USP

“Não se trata de contestar o crescimento econômico por si só. Trata-se de fazer a pergunta que a ciência econômica habitualmente não faz: crescer para quê, para produzir o quê, para ter qual resultado na sociedade?”, questiona o professor titular do Curso de Economia da Universidade de São Paulo – USP. Fonte: IHU

 

Embora tenha sido possível produzir bens de consumo emitindo 21% a menos de gases de efeito estufa e consumindo 23% menos materiais, o crescimento econômico mundial foi tão expansivo, nas últimas duas décadas, que os esforços econômicos e ambientais não surtiram efeito. Com base nessas informações, e partindo de uma posição moderada, nem pessimista nem otimista demais, o professor da USP, Ricardo Abramovay (foto abaixo), destaca que, no atual período de transição para uma economia de baixo carbono, os desafios para o planeta atingir a sustentabilidade perpassam por mudanças não só na forma de produzir bens de consumo e serviço, mas também de repensar a Ciência Econômica.

 

Essas foram as discussões centrais da palestra queAbramovay ministrou na Unisinos, na última quarta-feira, 12-04-2012, participando do Ciclo de palestras Rio+20, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Apesar de ser favorável ao conceito de economia verde, um dos temas centrais a ser abordado na Rio+20, ele é enfático: “Reconhecer a importância das inovações tecnológicas embutidas na ideia de economia verde não significa dizer que a economia verde e, muito menos o suposto crescimento verde, são capazes de resolver os problemas do século XXI”. Para ele, a desconfiança que os diferentes participantes da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável têm em relação à efetividade da economia verde “tem razão de ser”. E esclarece: “Essa desconfiança só será atenuada caso se consigam associar as inovações tecnológicas da economia verde – que são importantes e necessárias, a partir da ideia de limites e luta contra as desigualdades”.

 

Antes do evento, Abramovay conversou com IHU On-Line pessoalmente e falou sobre o que significa repensar a economia e os desafios intelectuais e políticos que envolvem essa discussão. Segundo ele, o momento atual exige mudanças decisivas especialmente “nos propósitos da vida econômica. (…) Para a ciência econômica (a Economics) o sentido da vida econômica não é algo que deva ser questionado: porque cada indivíduo vai cuidar de si e o resultado vai ser o melhor para todo mundo. Isso talvez fosse verossímil em um mundo de três bilhões de pessoas. Mas em um mundo tão desigual e rumando para 10 bilhões de habitantes, temos que nos perguntar para que se produz e quais são as finalidades da vida econômica. É nesse sentido que penso que precisamos ir além da economia, ou seja, repensar a economia com base nas suas origens, como uma ciência organicamente integrada à questão do bem viver e da ética. E não como uma mecânica dos interesses individuais de cuja interação resultaria, de forma não intencional, não voluntária, maior riqueza e, portanto, supostamente, maior bem-estar”, esclarece.

 

O professor também comenta a atuação dos líderes políticos que, preocupados com o crescimento econômico, não estão atentos às questões ambientais. Em relação aos governos de esquerda e a um projeto que minimize as desigualdades sociais, ele enfatiza que “as grandes aspirações emancipatórias que marcam os movimentos socialistas desde o início do século XIX terão que ser concebidas hoje no âmbito de uma sociedade em que mercados e empresas privadas terão um papel decisivo e que não será esvanescente”. Uma discussão profunda, assegura, consiste em “repensar o mercado, vislumbrar a possibilidade de fazer dele um dos mais importantes instrumentos de transformação social. Mas não se trata absolutamente de suprimi-lo, nem imaginar que é possível ter uma instância exterior ao mercado que o controlasse e que seria o Estado”.

 

Ricardo Abramovay é graduado em Filosofia, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia. É professor titular do curso de Economia da Universidade de São Paulo – USP. Para acompanhar as publicações do pesquisador, acesse sua home Page www.abramovay.pro.br, ou pelo Twitter @abramovay.

 

Confira a entrevista:

 

IHU On-Line – Quais serão os temas mais críticos para o Brasil na Rio+20, considerando a agenda ambiental brasileira?

 

Ricardo Abramovay – A grande dúvida é que papel o Brasil, como liderança global, vai exercer na Rio+20. Esse papel será o de se adaptar à desconfiança que os temas ambientais veem suscitando cada vez mais no G-77, como se eles fossem sinônimo de protecionismo por parte dos países desenvolvidos, como se fossem antagônicos às grandes metas do desenvolvimento? Ou, ao contrário, o Brasil tentará mostrar para os outros países do G-77 que, submeter o comércio mundial a regras civilizatórias referentes ao trabalho e à manutenção dos serviços dos ecossistemas, dos quais dependemos, pode ser um fator fundamental não só para a sociedade, mas também para a própria prosperidade dos negócios?

 

Trata-se de dois caminhos antagônicos, e os documentos até aqui produzidos (o Rascunho Zero e o documento brasileiro) flertam com a ideia de que temas ambientais são formas usadas para impor barreiras comerciais não tarifárias. Essa ideia traz um prejuízo muito forte para o avanço da discussão global sobre o desenvolvimento sustentável.

 

IHU On-Line – Você tem uma visão otimista da economia verde, mas essa percepção não é um consenso entre ambientalistas, pesquisadores, líderes políticos e empresas. Alguns alegam que se trata de uma mercantilização das questões ambientais pela economia, e outros veem na economia verde a alternativa para pensar um mundo sustentável. Como debater e avançar na Rio+20, se cada uma das partes tem uma compreensão diferente do que seja economia verde?

 

Ricardo Abramovay – As críticas feitas por países como Cuba, Bolívia, Venezuela, Equador e alguns países do Caribe, na reunião da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – Cepal em novembro de 2011, sobre a Rio+20, são procedentes. Por mais que se consigam avanços tecnológicos no sentido de melhorar o uso dos recursos ecossistêmicos dos materiais e da energia, e por mais que se avance em direção de energias renováveis, tudo isso é largamente insuficiente para enfrentar os grandes problemas socioambientais do século XXI. Então, reconhecer a importância das inovações tecnológicas embutidas na ideia de economia verde não significa dizer que ela (a economia verde) e, muito menos, o suposto crescimento verde são capazes de resolver os problemas que temos pela frente.

 

Para resolver essas questões, faltam duas coisas. A primeira delas resulta do fato de que, por mais que a economia verde tenha avançado, isto é, por mais que sejamos capazes de produzir cada dólar, euro, yuam ou real emitindo menos por unidade de dólar e usando menos material por unidade de dólar, isso não é suficiente para dar conta dos problemas ambientais do planeta. Nos últimos 20 anos a economia global produziu emitindo 21% a menos de gases de efeito estufa por dólar, e consumindo 23% menos de materiais (relativamente a cada unidade de valor levada ao mercado) do que há duas décadas. Só que o crescimento da economia mundial foi tão espantoso que as emissões em termos absolutos, nesses 20 anos, aumentaram 39%, e o consumo de materiais aumentou 41%. Isso mostra que é redondamente falsa a expectativa de que se pode continuar com o pé no acelerador do crescimento e, por outro lado, que se possam introduzir inovações tecnológicas que mudariam a composição e os métodos produtivos para prosseguir no ritmo atual de expansão da economia mundial.

 

IHU On-Line – Os líderes políticos têm consciência de que não é mais possível crescer dessa maneira?

 

Ricardo Abramovay – Deveriam ter, porque esses dados que citei se encontram nos principais documentos internacionais produzidos pelas Nações Unidas e pelas mais importantes consultorias globais.

 

Portanto, a desconfiança dos países que mencionei anteriormente com relação à economia verde tem razão de ser.Essa desconfiança só será atenuada caso se consigam associar as inovações tecnológicas da economia verde – que são importantes e necessárias – a dois elementos decisivos: limites e luta contra as desigualdades. Não é possível imaginar que os andares superiores da pirâmide social mundial continuem com seu atual consumo de recursos na expectativa de que a economia verde seja capaz de propiciar que todas as pessoas tenham acesso a esse mesmo patamar. As contas não fecham: não há energia e materiais suficientes para fazer isso.

 

IHU On-Line – Como os tomadores de decisão econômica tendem a se apropriar desse conceito de economia verde? Corre-se o risco de novamente mercantilizar a questão ambiental, como aconteceu na Revolução Verde, em que se aumentou a produção de alimentos, mas até hoje não se resolveu o problema da fome, sem falar na ampliação do uso de agrotóxicos? As aspirações do mercado e das corporações são as mesmas daqueles que querem um planeta sustentável? As empresas estão dispostas a fazer transformações sociais?

 

Ricardo Abramovay – As empresas agem por interesse. O interesse delas é, antes de tudo, sobreviver. Mas dizer simplesmente que as empresas visam somente o lucro e não estão preocupadas com as questões socioambientais é ingênuo. Sobretudo, no que se refere às grandes corporações, porque elas fazem estudos prospectivos relativos ao que será o mundo nos próximos 50 anos e procuram se organizar estrategicamente em função disso. Então, o que domina hoje o ambiente corporativo – se não domina ao menos tem uma forte influência – é a ideia de que estamos transitando de um mundo no qual o básico na inovação é melhorar a produtividade do trabalho e do capital para um mundo onde o mais importante desafio da inovação é melhorar a quantidade e a qualidade de bens de consumo e serviço que se consegue obter da mesma quantidade de matéria e de energia, emitindo e poluindo menos.

 

Por que as empresas estão preocupadas com isso? Por razões duplamente materiais: por causa do seu “próprio bolso”; e também pela consciência – e isso é inédito – de que matéria, recursos bióticos e energia não são infinitos e, portanto, os critérios e parâmetros para seu uso terão de ser mudados. Além disso, tem uma questão adicional que é a influência da sociedade civil sobre as empresas. Essa influência foi muito importante com relação à indústria do tabaco, cuja importância tende a declinar em função da imensa pressão social. De certa forma, a indústria automobilística, cada vez mais, também é vista dessa forma. As pessoas que vivem nos centros metropolitanos se sentem mais felizes quando conseguem organizar sua vida sem automóvel em comparação a quando conseguem acesso ao ele. A indústria agroalimentar também não poderá manter a atitude predominante até aqui de produzir alimentos que geram obesidade e tentar compensar isso colocando nos bairros pobres, quadras de esportes para as pessoas fazerem exercícios.

 

IHU On-Line – De que maneira a economia de baixo carbono poderia fomentar a indústria nacional e interferir no processo de desindustrialização?

 

Ricardo Abramovay – Foi anunciada uma medida segundo a qual o Brasil levará para a Rio+20 a ideia de que as compras públicas em todo o mundo devem ser pautadas por critérios de sustentabilidade. Isso é um elemento positivo. Mas quando se observa o que está acontecendo em termos de política industrial desde o início do atual governo, e quando se considera que estamos no ano da Rio+20, percebe-se que há distância entre desenvolvimento sustentável e as preocupações com relação à desindustrialização. Cito um exemplo: o jornal Valor Econômico publicou, no início de março, um balanço das ações do governo federal para atenuar o quadro de desindustrialização pelo qual o Brasil está passando. Nessa página do Valor há uma tabela com 16 medidas que foram tomadas desde o início do governo, e seis medidas que foram prometidas. Dessas 22 medidas, nenhuma tem relação com a economia verde. As medidas do governo, por outro lado, são de incentivar o crédito, conceder isenções fiscais, subsídios, etc. e, como sempre, com forte ênfase no setor automobilístico.

 

O Brasil está na contramão de países como a China, Coreia do Sul e EUA. Duas semanas depois da publicação dessa reportagem, houve um encontro entre os 28 principais industriais brasileiros e a presidente Dilma. O único momento em que a questão ambiental apareceu foi quando o representante da Vale se queixou da lentidão no licenciamento ambiental.

 

Ou seja, o Brasil fez algo muito importante do ponto de vista do clima, que foi reduzir o desmatamento, que era de 24 mil km² em 2004 para sete mil km² hoje. Mas temas como a questão urbana, a mobilidade e o crescimento industrialestão completamente dissociados da economia verde. É como se a economia verde fosse uma espécie de tema florestal. Nesse sentido, o Brasil está muito aquém do necessário para um país que será sede da Rio+20.

 

IHU On-Line – Pode citar alguns exemplos das iniciativas que visam alcançar maior eficiência energética e material, gerando menos poluição e impactos ao meio ambiente, que já estão sendo implantadas na China e na Coreia do Sul?

 

Ricardo Abramovay – O ritmo global da transição para a economia verde é muito mais lento do que deveria ser. Em todo caso, há exemplos importantes nos carros elétricos, em residências que não só consomem menos energia que o habitual, mas chegam a fornecer energia para a rede e nos investimentos em eólica e solar, sobretudo vindos da China. O planejamento urbano também recebeu sinais positivos, com cidades sendo pensadas em função das pessoas, e não dos carros. Esse é um dos elementos mais importantes para se conseguir compatibilizar a vida social com os ecossistemas. Cidades sustentáveis são uma grande esperança de que os limites não sejam destrutivos no sentido de bloquear as realizações das pessoas. Pelo contrário, espera-se que o enfrentamento desses limites traga para os indivíduos as maiores possibilidades de eles viverem uma vida que vale a pena ser vivida, uma vida melhor e não pior. Ou seja, uma vida em que uma pessoa não fique três horas parado dentro de um carro, em que as pessoas possam trabalhar proximamente de suas residências para que conheçam as pessoas do seu bairro e que vivam num circulo local e, ao mesmo tempo, cosmopolita. Isso porque as pessoas estão conectadas, ligadas às redes sociais.

 

IHU On-Line – Como imagina que seria a lógica de funcionamento das indústrias da economia de baixo carbono, considerando que hoje há muita pobreza no entorno das regiões nas quais estão instalados os portos, as mineradoras e as hidrelétricas? No caso da construção de um campo de energia eólica, poder-se-ia criar um bolsão de pobreza também?

 

Ricardo Abramovay – Hoje uma das grandes preocupações das mineradoras, por pressão da sociedade, é como será possível extrair minérios – porque eles são necessários – de maneira não predatória. Isso depende menos da vontade das empresas do que do ambiente em que elas estão atuando. O Brasil tem uma tendência a fazer uma mineração cada vez menos predatória. Nos países andinos, minha impressão é que os problemas socioambientais da mineração são bem mais graves do que no Brasil. Ainda é cedo para saber que regime de trabalho fazendas de energia eólica irão implantar. Mas no Nordeste brasileiro, por exemplo, elas já estão sinalizando algo positivo que são novas fontes de renda para agricultores familiares em cujas terras vão se instalar.

 

IHU On-Line – Quando o economista francês Serge Latouche esteve na Unisinos, disse que não conhecia o termo economia de baixo carbono, mas sim pós-carbono. De todo modo, ele argumenta que para resolver os problemas ambientais era preciso atuar além da economia. O senhor concorda com essa percepção? A resolução da questão ambiental passa pela economia ou está para além dela? Pensar em uma economia de baixo carbono é significativo para as transformações necessárias neste momento, ou é preciso ir além da economia?

 

Ricardo Abramovay – Nas línguas latinas, a palavra economia serve para dizer coisas que em inglês são diferentes. Ir além da economia pode significar ir além da Ciência Econômica (Economics). Isso sem dúvida é verdade, porque a Ciência Econômica padece de um duplo vício. De um lado ela, afirma-se como ciência à medida que se separa da ética, porque as decisões dos atores são tomadas em função de seus ganhos. Então, imagina se você tivesse um restaurante, e eu entrasse aí. Você não irá reduzir o preço do almoço porque eu sou eventualmente simpático a você. Quer dizer, as relações econômicas não passam por relações pessoais, e essa é a condição de eficiência. Nesse sentido, a economia se emancipa da ética. É importante essa emancipação. Em segundo lugar, a Ciência Econômica se afirma como ciência à medida que se emancipa da natureza. O nosso desafio maior, para o qual a Ciência Econômica tradicional não está municiada, é reintegrar a ética à economia, e a natureza à sociedade. Nesse sentido, concordo que temos de ir além da economia verde e da Ciência Econômica, da Economics.

 

Mas a economia real (em inglês, a Economy), entendida como o uso que a espécie humana faz dos recursos ecossistêmicos necessários à sua reprodução, como ciência do metabolismo, da relação entre a espécie humana e os meios dos quais ela dispõe para viver, não será suprimida nunca, ao menos enquanto a humanidade existir. Mas acho que não era disso que o Latouche falava. Ir além da economia, no fundo, para ele, é ir além do mercado. Claro que tem que ir além do mercado. Isso é necessário, porque tem de se fazer da economia uma ecologia social. Nosso grande desafio intelectual e político consiste em pensar como podemos nos organizar para usar os recursos de que dispomos buscando produzir cada vez mais bem-estar. Quando se fala de ir além da economia, do que se está falando? De ir além do mercado? Sim, isso é necessário. Mas o que isso significa? Ir além do mercado para fazer um planejamento central? Duvido que Latouche concorde com essa ideia. Se é ir além do mercado no sentido de que o crescimento não pode ser a orientação geral, segundo a qual se norteia o uso dos recursos, aí então a concordância com esta ideia é, felizmente, crescente e atinge segmentos do próprio mainstream da ciência econômica..

 

IHU On-Line – Qual seria, então, um novo projeto para a economia? Os Estados ainda precisam interferir mais no mercado financeiro?

 

Ricardo Abramovay – Imaginar que os Estados sejam capazes de dar conta do desafio que nós temos é ingênuo. Os Estados têm um horizonte de curto prazo e, muitas vezes, de muito mais curto prazo do que as empresas. Os Estados tendem a planejar em horizontes relativamente curtos e, mesmo quando planejam em horizontes longos, a sua gestão é muito menos clarividente do que habitualmente se supõe. Isso não significa abolir o planejamento, que é absolutamente decisivo. Muito menos as imposições legais que orientam a conduta dos agentes econômicos. Significa, isto sim, que o planejamento do uso dos recursos ecossistêmicos não responde mais à dicotomia convencional de um mercado supostamente cego e de um Estado visionário.

Hoje, temos dispositivos extremamente poderosos de conhecimento da vida social através das mídias digitais. Para se ter uma ideia: um smart phone hoje tem a mesma potência computacional do Programa Apollo, que foi para a lua em 1969. Essa potência está nas mãos das pessoas. O professor Ignacy Sachs conta que o planejamento econômico na Polônia nos anos 1950 era baseado no ábaco, um antigo instrumento de cálculo. Imagine as possibilidades de planejamento que os dispositivos digitais contemporâneos oferecem. Ainda mais que são descentralizados e estão nas mãos das pessoas. A compatibilidade entre planejamento e descentralização é muito maior do que já foi na história humana. Na tradição marxista, o planejamento seria descentralizado porque haveria assembleias, conselhos com pessoas participando, que emitiriam sinais sobre o que a sociedade quer, etc. Só que isso não funciona, resulta em autoritarismo; é ineficiente. Mas é claro que os preços não podem ser os únicos vetores informativos sobre o que é a demanda social. E os processos cooperativos aos quais a economia da informação em rede abre caminho têm um potencial transformador extraordinário.

 

IHU On-Line – Nesse sentido, qual a relevância das articulações em rede, tais como aquelas do Occupy Wall Street?

 

Ricardo Abramovay – São muito relevantes! Porque movimentos como esse representam, em primeiro lugar, uma denúncia contra a injustiça. Houve nos países desenvolvidos um processo impressionante de reconcentração de renda. A concentração de renda nos EUA, hoje, atingiu o nível que tinha em 1929, depois de ter caído durante todo esse período. Em 1980, 1% mais rico da população americana ficava com 8% da renda; hoje, esse mesmo percentual fica com 24% dela. Triplicou a participação na renda do 1% mais rico.

 

Comunidades virtuais

 

Mas tão importante quanto esse movimento, digamos assim, que assume um caráter mais espetacular e de rua, é um movimento mais difuso que se manifesta em forma de organização, de comunidades virtuais voltadas a produzir bens e serviços seja de maneira gratuita, seja de maneira paga. Um exemplo disso é a Wikipédia, que é o sétimo site mais visitado da internet, tem 300 milhões de visitas por mês e produz algo que é extremamente importante, conhecimento. A qualidade da Wikipédia é totalmente comparável à qualidade da Enciclopédia Britânica, que é feita por especialistas. A Wikipédia é feita quase que integralmente, com exceção de uma pequena equipe administrativa, em caráter voluntário e gratuito e produz uma riqueza impressionante. O Software Livre também. Inclusive, algumas empresas, como a IBM, que é uma empresa privada, se apoiam em software livre para muitos dos serviços que oferecem. Ou seja, há um borrão, uma mistura entre o mercantil, o privado e o público – o colaborativo que abre horizontes muito promissores para o funcionamento da vida econômica.

Portanto, o debate é se a cooperação humana vai poder triunfar sobre o simples autointeresse ou não. O que as mídias digitais propiciam é que essa cooperação humana ganhe uma eficiência em uma escala não paroquial completamente inédita, que abre horizontes que não conseguimos imaginar quanto à sua fertilidade.

 

IHU On-Line – Então a mudança na economia, na política e nos rumos do mercado financeiro passa por uma participação do cidadão através das redes?

 

Ricardo Abramovay – São mudanças decisivas no próprio sentido, nos objetivos, nos propósitos da vida econômica. Essa que é a questão básica da nossa conversa. Para a ciência econômica (a Economics), o sentido da vida econômica não é algo que deva ser questionado: porque cada indivíduo vai cuidar de si e o resultado vai ser o melhor para todo mundo. Isso talvez fosse verossímil em um mundo de três bilhões de pessoas. Mas em um mundo tão desigual e rumando para 10 bilhões de habitantes, temos que nos perguntar para que se produz e quais são as finalidades da vida econômica. É nesse sentido que penso que precisamos ir além da economia, ou seja, repensar a economia com base em suas origens, como uma ciência organicamente integrada à questão do bem viver e da ética, e não como uma mecânica dos interesses individuais de cuja interação resultaria, de forma não intencional, não voluntária, maior riqueza e, portanto, supostamente, maior bem-estar.

 

IHU On-Line – A segunda proposta da Rio+20 é pensar uma governança mundial. Qual deveria ser o perfil dessa governança? Ela será possível?

 

Ricardo Abramovay – Ninguém sabe. Nós sabemos criar agências nas Nações Unidas e alguns acordos internacionais, mas isso está muito aquém do mínimo necessário para se enfrentar essas questões. E, mesmo assim, não estamos fazendo nem aquilo que está nas convenções já criadas. Apesar da existência de uma Convenção da Biodiversidade ratificada amplamente, o Índice Planeta Vivo do WWF apresenta redução de 30% entre 1992 e 2008 nos trópicos, decorrente de desmatamento, poluição dos mares e aquecimento global, entre outras coisas. São realizadas reuniões climáticas anuais e as condições climáticas continuam se degradando; a desertificação não para de aumentar; os países não chegam a um acordo. E a raiz disso é que, por enquanto, nenhum governo aceitou a ideia de que é necessário repensar o sentido do crescimento econômico. Não se trata de contestar o crescimento econômico por si só. Trata-se de fazer a pergunta que a Ciência Econômica habitualmente não faz: crescer para quê, para produzir o quê, para ter qual resultado na sociedade? A ideia de que o crescimento é bom porque produz empregos, impostos e um pouco de inovação é insuficiente para legitimar o que a vida econômica representa para a sociedade.

 

IHU On-Line – Recentemente a presidente Dilma declarou que na Rio+20 não há tempo para fantasias, referindo-se àqueles que são contrários à construção de novas hidrelétricas. Como o senhor interpreta a posição brasileira de investir em mais hidrelétricas nos próximos anos, considerando que se busca um modelo sustentável?

 

Ricardo Abramovay – É normal que uma presidente diga isso. Você precisa de energia. A preocupação dela é fazer com que as coisas funcionem. Agora, o que não me parece razoável, sobretudo num país como o Brasil, é imaginar que construir hidrelétricas na Amazônia para redistribuir essa energia para o resto do país, num modelo energético altamente centralizado, seja a única maneira possível de obter segurança energética. Por mais complexa que possa ser a questão, tenho a impressão que isso é um raciocínio do século XX, não do XXI. O último livro de Jeremy Rifkin, por exemplo, menciona o esforço de produção descentralizada de energia, com a associação entre uso sustentável dos recursos e inteligência digital. É um caminho que precisa ser mais explorado.

 

IHU On-Line – Gostaria de retomar a questão de que os líderes políticos ainda não têm a percepção de investir nas questões ambientais. Tratando-se especificamente dos líderes de esquerda, como vê esse posicionamento? O que a impede a esquerda de lançar novas propostas?

 

Ricardo Abramovay – À esquerda europeia, sobretudo, se organizou até o início dos anos 1980 a partir da ideia de que o caminho da transição para uma sociedade melhor passava por nacionalizações democráticas. Era o programa da Union Populaire na França. Nacionalizar os dez maiores monopólios do país colocaria nas mãos do Estado três quartos da capacidade de investimento. Quando o governo Mitterrand, na França, assumiu o poder em 1981, a ideia que dominou era de se estatizar e nacionalizar uma parte importante da vida econômica, fazendo com que esse segmento escapasse à lógica do mercado e passasse a obedecer a uma lógica social. Isso durou um ano e foi cabalmente revertido. E o mais impressionante é: nunca mais, em qualquer parte do mundo, a esquerda voltou a conceber um modelo de transição com esse conteúdo.

 

Acerto de contas

 

Só que não se fez um acerto de contas com esta estratégia da qual hoje ninguém mais fala. Quer dizer, havia uma estratégia que, no fundo, era de crítica ao mercado e que rumava em direção à ideia segundo a qual uma sociedade melhor é aquela em que mercados e empresas privadas vão exercendo papéis cada vez menos importantes. Posteriormente, os líderes abandonaram essa ideia, só que continuaram sendo de esquerda. Se as pessoas não concordam mais com esses valores, continuam sendo de esquerda por quê?

 

As grandes aspirações emancipatórias que marcam os movimentos socialistas desde o início do século XIX terão que ser concebidas hoje no âmbito de uma sociedade em que mercados e empresas privadas terão um papel decisivo e que não será esvanescente. Os equipamentos intelectuais que tínhamos para pensar a emancipação social, quando a estratégia era a nacionalização democrática, não foram substituídos por um corpo conceitual que nos permita pensar estes processos emancipatórios no âmbito de uma sociedade em que mercados e empresas privadas são fundamentais.

O que acontece com a esquerda europeia é que, quando chega o momento da eleição, todo mundo vira anticapitalista: banaliza-se a crítica à globalização e, muitas vezes, às grandes empresas. Só que essa crítica se torna puramente retórica. A meu ver, esse impasse só pode ser substituído por uma reflexão muito séria sobre o que é empresa privada e o que são mercados. E aí justamente a economia é muito insuficiente. A sociologia, particularmente a sociologia econômica, pode dar uma contribuição muito forte.

 

IHU On-Line – A falta de proposta da esquerda decorre, em certa medida, do fato de ela ter sido cooptada pelo neoliberalismo ou por ela não ter conseguido avançar por si só?

 

Ricardo Abramovay – A social democracia foi certamente cooptada. Mas, na verdade, o problema é que se perdeu o horizonte anterior e ninguém sabe muito bem qual é o novo horizonte. Dizer que tem que ir além da economia, quando você está numa economia em que o mercado tem o papel decisivo, é complicado. O que queremos dizer com essa discussão? Menos mercado? Menos empresas privadas? Certamente há um amplo acordo sobre o fato de que o domínio das finanças sobre a vida econômica extrapolou os limites do razoável. Mas isso é um consenso mesmo em Davos. Nossa discussão é mais profunda e se refere àquilo que até aqui foi encarado como quadratura do círculo: a possibilidade de uma economia voltada ao bem-estar das pessoas e que respeite as fronteiras dos ecossistemas, mas que se organiza fortemente com base em incentivos de mercado e em organizações privadas.

Por isso que considero tão promissores os movimentos sociais que se formam a partir da sociedade da informação em rede. André Gorz depositava imensa esperança nesses movimentos emancipatórios, embora ele não tenha visto o que me parece a salutar e promissora mistura entre economia cooperativa e economia privada no interior destes movimentos.

 

IHU On-Line – A partir da história do capitalismo, o senhor vislumbra o quê?

 

Ricardo Abramovay – Não é salutar para uma sociedade moderna (foi o que mostrou o curto século XX) suprimir a concorrência nos mais diferentes planos, e não é salutar dissociar inteiramente a vida econômica dos ganhos que a oferta de bens e serviços pode traduzir para as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, o que está se tornando mais claro é que o potencial da cooperação, da colaboração direta entre as pessoas na oferta eficiente de bens e serviços, é tão grande e foi tão maximizado com o advento da sociedade na informação em rede que nós vamos ter, provavelmente, uma mistura das duas coisas. Uma mistura, porém, que não pode ser encarada como, de um lado, um setor e, de outro lado, outro setor. Essa mistura vai ser um verdadeiro borrão em que o setor privado vai estar fortemente determinado nas suas ações por preceitos de natureza ética e de respeito aos ecossistemas, e o setor associativo também vai ter uma lógica competitiva, sem a qual ele acaba caindo no clientelismo. Isso já começa a ocorrer.

 

IHU On-Line – É como juntar um pouco das ideias da direita e um pouco das ideias da esquerda em uma terceira via, ou uma alternativa pela cooperação, como o senhor diz?

 

Ricardo Abramovay – Não é uma terceira via. Ignacy Sachs usa a figura da terceira margem do rio. È fundamental repensar o mercado, vislumbrar a possibilidade de fazer dele um dos mais importantes instrumentos de transformação social. Mas não se trata absolutamente de suprimi-lo, nem imaginar que é possível ter uma instância exterior ao mercado que o controlasse e que seria o Estado. Há uma organização empresarial norte-americana chamada Benefit Corporation que vai exatamente nessa direção. Os mercados devem converter-se em meios para atingir finalidades sociais. Num certo sentido é também o que faz o Grameen Bank, quando se associa com a Danone. Mas tudo isso é muito incipiente. É muito mais forte a reflexão cética, segundo a qual nós perdemos o horizonte, do que a reflexão propositiva, que diz que se está construindo um novo horizonte.

 

IHU On-Line – Professor, para encerrar pode nos falar sobre o seu novo livro intitulado Muito além da economia verde, que será lançado na Rio+20, pela editora Planeta Sustentável?

 

Ricardo Abramovay – Este livro nasceu de um pedido que me foi feito pela Fundação Avina para aprofundar uma reflexão sobre a nova economia, sem que soubéssemos muito bem o que este termo significava exatamente. Foi constituído um grupo, no interior da Avina que durante várias semanas realizou reuniões virtuais e isso ajudou a dar os contornos do que seria o trabalho, que acabou se tornando o livro. Não é muito habitual que organizações da sociedade civil proponham uma reflexão abrangente sobre o significado geral da vida econômica para as sociedades contemporâneas. O ponto de partida da Fundação Avina é uma categoria cara a Leonardo Boff e ao filósofo colombiano Bernardo Toro, a ética do cuidado. À primeira vista, nada poderia ser mais distante da ética do cuidado do que a frieza e a impessoalidade própria das relações econômicas numa sociedade capitalista. Muito mais do que formular ideais abstratos sobre o que poderia ser uma vida econômica em que a ética do cuidado orientasse os comportamentos, nossa reflexão conjunta procurou duas coisas. Em primeiro lugar, o texto afasta-se das soluções fáceis que consistem em dizer (como vimos no início de nossa conversa) que há soluções rápidas e indolores para a transição pela qual devemos passar.

 

Mutação

 

Talvez seja nesse sentido que Marina Silva (autora do prefácio do livro) fala que não é transição e sim mutação. Por mais importantes e necessárias que sejam as conquistas científicas e tecnológicas da economia verde, elas não são e não podem ser um atalho para permitir que a economia mundial siga no rumo do crescimento, que agora seria um crescimento sustentável. O livro se inspira no pensamento de Amartya Sen, no sentido de mostrar que o fundamental não é apenas o aumento da riqueza, mas sim o que as pessoas fazem com ela. Tão importante quanto esta abordagem crítica do crescimento econômico e da riqueza é o fato de que há sinais muito significativos de mudanças (base para as mutações das quais fala a Marina) por parte de empresas, dos Estados e de organizações da sociedade civil.

 

A quantidade e a profundidade crítica de documentos vindos de algumas das mais importantes consultorias globais são um sintoma disso. Forma-se um movimento empresarial incipiente, porém expressivo, contra a submissão da vida econômica aos imperativos das finanças. Mais do que isso, estamos vendo o início de um surpreendente questionamento, vindo do próprio meio de negócios, sobre o que significa valor. Isso entre estudiosos, consultorias, mas também no interior de algumas grandes empresas. Essa reflexão relaciona-se com um processo crescente de participação de organizações da sociedade civil na própria gestão empresarial. A sociedade da informação em rede abre, sobretudo, um horizonte, um conjunto de possibilidades para a cooperação que são muito promissoras. Sou muito grato à Fundação Avina por ter me aberto a possibilidade de aprofundar tais reflexões.